sábado, 26 de março de 2011

CONCURSO NACIONAL DE JORNAIS ESCOLARES

ANO LECTIVO DE 2010/11
CONCURSO NACIONAL DE JORNAIS ESCOLARES

O PÚBLICO na Escola – o projecto de educação para os media do jornal PÚBLICO – promove, no ano lectivo de 2010/11, uma nova edição do Concurso Nacional de Jornais Escolares subordinada ao tema


As redes sociais

Entre o que poderá servir para caracterizar o espírito do tempo, não é despropositado referir a lista de palavras mais vezes consultadas no motor de busca Google. O ano de 2010, segundo informa o Google Zeitgeist, o serviço do Google que mostra as palavras mais pesquisadas em cada país, tornou evidente o enorme interesse dos internautas pelas redes sociais. Em Portugal, assim como em muitos outros países, elas encontram-se no topo da lista de palavras mais populares.
As redes sociais têm vantagens e inconvenientes. Rentabilizar as primeiras e eliminar ou atenuar os efeitos dos segundos é um sério desafio – também educativo – que se deve colocar a quem nelas participa. Antes, todavia, é preciso conhecer melhor cada rede social, identificar os riscos que verdadeiramente se colocam, particularmente aos seus membros mais vulneráveis, e perceber de que modo o seu uso pode ser benéfico para a comunidade escolar e o trabalho educativo. É esse trabalho que o PÚBLICO na Escola quer estimular no presente ano lectivo, razão por que As Redes Sociais são o tema do Concurso Nacional de Jornais Escolares de 2010/11.



REGULAMENTO

1. ORGANIZAÇÃO
 PÚBLICO, através do Projecto PÚBLICO na Escola

2. ALTO PATROCÍNIO
 Assembleia da República
 Ministério da Educação

3. APOIOS
 Agência Nacional para a Gestão do Programa Juventude em Acção
 Câmara Municipal de Ponte de Lima
 Centro Português de Design
 Gabinete do Parlamento Europeu
 Museu Nacional da Imprensa
 Porto Editora
 Reymar. Bacalhau à Portuguesa

4. DESTINATÁRIOS
 Todos os agrupamentos de escolas e todos os estabelecimentos de ensino dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário do continente, regiões autónomas e comunidades portuguesas no estrangeiro.

5. OBJECTIVOS
 Estimular a prática de um jornalismo escolar crítico e imaginativo, alargando-o a um número maior de escolas e com redobradas preocupações de qualidade;
 Aumentar a importância da utilização dos jornais escolares no processo de ensino/aprendizagem e na construção da identidade das escolas;
 Fazer dos jornais escolares um instrumento cívico para a discussão de temas relevantes para a comunidade escolar e para a promoção de relações entre a escola e o meio envolvente (designadamente as famílias, as colectividades, as instituições e as autarquias);
 Aprofundar o conhecimento das virtualidades e limitações da actividade jornalística;
 Contribuir para o desenvolvimento da Educação para os Media;
 Promover a utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação na produção de jornais escolares;
 Utilizar o jornal escolar como um instrumento de divulgação científica.

6. TIPOLOGIA
 Podem ser apresentadas a concurso publicações cujo suporte seja o papel, designadamente jornais ou revistas, que durante o presente ano lectivo tenham tido, pelo menos, três edições, sendo aceites diferentes tratamentos gráficos (impressão manual, fotocópia, tipografia, offset, etc.);
 Podem também concorrer jornais electrónicos disponíveis na Internet;
 O jornal a candidatar pode ser elaborado em diferentes contextos: escola ou grupo de escolas, turma, clube ou outros.

7. CONDIÇÕES DE CANDIDATURA
 As candidaturas são apresentadas pela escola ou agrupamento de escolas e devem indicar o nome dos responsáveis (docente, equipa de docentes ou grupo de alunos);
 Os interessados devem, no prazo indicado, remeter uma ficha de inscrição, onde será indicado, designadamente, o escalão em que o jornal concorre e o suporte em que será apresentado (papel ou electrónico).

8. ENVIO DOS MATERIAIS
 Até ao dia 8 de Julho de 2011, devem ser remetidos:
o Cinco exemplares de cada um dos três (ou mais) números diferentes dos jornais em suporte de papel produzidos durante o ano lectivo ou
o Indicação do endereço do site onde o jornal está disponível;
o A acompanhar os jornais, deverá ser enviado um relatório. O documento, que não deve exceder as três páginas, deve: 1. indicar quem (professores e alunos), e com que funções, colaborou mais activamente na edição do jornal; 2. descrever as principais etapas desde a concepção até à distribuição, podendo ser apontadas as principais dificuldades sentidas em cada uma delas; 3. explicar os principais critérios que presidiram à selecção e à exclusão de textos; 4. enumerar as principais iniciativas promovidas na escola a propósito do tema do concurso.
o Cada edição do jornal deverá, obrigatoriamente, incluir uma ficha técnica que refira o nome da escola e respectivos contactos (telefone e e-mail), os responsáveis pela publicação, o número da edição e a data de publicação. Os jornais distinguidos monetariamente na anterior edição do concurso devem referir o modo como o prémio foi aplicado no desenvolvimento de um projecto de comunicação.

9. CRITÉRIOS DE VALORIZAÇÃO
 Na apreciação do júri, a verificação do cumprimento dos objectivos que o concurso persegue, acima enunciados, será objecto de valorização. Assim, o júri valorizará:
o A prática de um jornalismo escolar crítico e imaginativo;
o A importância dos jornais escolares no processo de ensino/aprendizagem e na construção da identidade das escolas ou dos agrupamentos de escolas;
o A utilização dos jornais escolares como instrumentos cívicos para a discussão de temas relevantes para a comunidade escolar e para a promoção de relações entre a escola e o meio envolvente (em particular as colectividades, empresas, instituições, autarquias);
o A abordagem da temática do concurso.
o O envolvimento do jornal em iniciativas, campanhas ou programas tendentes a solucionar ou atenuar problemas detectados na escola; a promoção de debates sobre temas educativos e a abordagem do tema do concurso serão aspectos igualmente tidos em conta.
o Na valorização do jornal, considerar-se-ão o espírito crítico e a imaginação que o jornal traduza; o trabalho de equipa e o envolvimento de alunos de distintos anos de escolaridade e de professores de diferentes áreas disciplinares (que o resultado final deve evidenciar), com responsabilização de alunos nas diferentes fases de produção; a diversidade de géneros jornalísticos (notícias, reportagens, inquéritos, entrevistas, etc.); o rigor e a originalidade dos textos; a qualidade da informação científica e tecnológica; a correcção gramatical; a qualidade e a originalidade do grafismo e a integração do jornal num projecto mais vasto de educação para os media. No caso de jornais de agrupamentos, será, particularmente, apreciada a boa articulação do trabalho das escolas. A inclusão de textos de alunos dos vários níveis de ensino será também valorizada pelo júri.

 Os jornais em suporte electrónico serão valorizados em função da:
o Facilidade de navegação no site do jornal entre as secções e artigos de uma mesma edição do jornal e entre as várias edições de um mesmo jornal, decorrente da organização da informação;
o Legibilidade dos artigos decorrente da adequação ao suporte electrónico;
o Sugestão de sites com informação complementar relativa às temáticas abordadas nos artigos;
o Promoção da participação dos leitores do jornal (na escola e fora da escola), através de fóruns de discussão on-line, da troca de mensagens de correio electrónico (com opinião sobre os assuntos dos artigos);
o Articulação com o site da escola (no caso de o mesmo existir).

 Outros prémios distinguirão o melhor grafismo e o melhor cartoon/ilustração. Haverá também o Prémio revista, que distinguirá a melhor das revistas que publicaram apenas um número durante o ano lectivo.

10. PRAZOS DE INSCRIÇÃO
 Até ao dia 29 de Abril de 2011.

11. DATA DE ENVIO DOS MATERIAIS
 Até ao dia 8 de Julho de 2011.

12. DIVULGAÇÃO DOS JORNAIS PREMIADOS
 Até ao final de Outubro de 2011.

13. JÚRI
 O júri será constituído por representantes das entidades promotoras e patrocinadoras e por professores de reconhecido mérito, sendo as suas decisões soberanas e definitivas. Delas não haverá, portanto, qualquer recurso.

14. PRÉMIOS
 O Concurso Nacional de Jornais Escolares concede os seguintes prémios:
o 1.º Escalão: Prémio para jornais de agrupamentos de escolas ou de estabelecimentos dos ciclos iniciais do ensino básico e dos jardins-de-infância;
o 2.º Escalão: Prémio para jornais de escolas secundárias e profissionais;
o 3.º Escalão: Prémio para os jornais electrónicos;
o Prémio de design;
o Prémio cartoon/ilustração;
o Prémio para o melhor dos jornais escolares premiados na edição do ano lectivo 2009/10.

 No primeiro e no segundo escalões, podem ser atribuídos um primeiro prémio, no valor de 3700 euros, um segundo prémio, no valor de 2500 euros, e um terceiro prémio, no valor de 1250 euros.

A publicação que vencer o primeiro escalão recebe mais um prémio. Ele é concedido pela Câmara Municipal de Ponte de Lima, que oferecerá a estadia de uma semana na Casa da Floresta da Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos aos dez principais redactores do melhor jornal ou revista de uma escola do ensino básico ou de um agrupamento de escolas.

Para os alunos (que devem ter, na altura da visita idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos e num número que rondará as duas dezenas) e para os dois professores que tiverem estado mais directamente envolvidos na edição do jornal que ganhar o primeiro prémio do 2.º escalão, será atribuído mais um prémio: um subsídio de deslocação a uma sessão Euroscola, em Estrasburgo, da responsabilidade do Parlamento Europeu.
A data de participação será definida em tempo oportuno. Uma vez que a mesma escola não pode beneficiar de uma deslocação a sessões Euroscola em anos consecutivos, se for esse o caso da escola premiada, o prémio será concedido à escola classificada no lugar seguinte.
(O Parlamento Europeu reserva-se ainda o direito de anular a concessão do referido prémio caso se verifique uma situação excepcional ou uma alteração das políticas de concessão de subsídios por parte da instituição).

 No terceiro escalão, pode ser atribuído um primeiro prémio, no valor de 3000 euros, um segundo prémio, no valor de 2o00 euros, e um terceiro prémio, no valor de 500 euros.

 O Prémio de design distinguirá a publicação com melhor grafismo. Esta distinção visa sublinhar a importância que a qualidade e a originalidade do grafismo têm para a valorização do jornal escolar. O vencedor receberá um prémio no valor de 600 euros.

 O Prémio cartoon/ilustração, no valor de 500 euros, distinguirá o cartoon ou a ilustração mais original. Assim se procura incentivar a criatividade, tão importante para a valorização da imprensa escolar.

 O Prémio revista, no valor de 1500 euros, distinguirá a melhor das revistas que publicaram apenas um número durante o ano lectivo.

 Os jornais escolares premiados na edição do ano lectivo passado do concurso (excluindo os jornais distinguidos com menções honrosas) apenas poderão candidatar-se, neste ano lectivo, a um prémio especial no montante de 2500 euros. Este prémio será atribuído ao melhor dos jornais escolares premiados na edição de 2009/10 do Concurso de Jornais Escolares.

 Os jornalistas escolares vencedores dos vários escalões participarão numa visita guiada ao Palácio de S. Bento. Nessa ocasião, receberão livros e objectos editados pela Assembleia da República.

 Cada candidatura deve indicar a que escalão, dos três existentes, concorre:
o 1.º Escalão: devem apresentar-se neste escalão os jornais de agrupamentos de escolas. Os estabelecimentos dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e os jardins-de-infância devem apresentar as suas publicações neste escalão.
o 2.º Escalão: devem apresentar-se neste escalão os jornais de escolas secundárias e profissionais.
o 3.º Escalão: devem apresentar-se neste escalão os jornais electrónicos.

 Os diversos prémios, nos valores indicados, podem ser concedidos em materiais de utilidade pedagógica ou em dinheiro. Neste último caso, o montante do prémio destina-se a ser utilizado no desenvolvimento de um projecto de comunicação.
 O júri poderá decidir pela não atribuição de qualquer dos prémios referidos. Em caso de classificações ex aequo, o valor do prémio é dividido pelo número de premiados.
 Os jornais e toda a documentação entregue ficam pertença da entidade organizadora, que lhes poderá dar o destino que entender, obrigando-se apenas a mencionar a origem da documentação utilizada.

15. ENDEREÇOS
 As inscrições e os materiais deverão ser enviados para a entidade organizadora: PÚBLICO na Escola, Concurso Nacional de Jornais Escolares, Praça Coronel Pacheco, n.º 2 – 4050-453 Porto

Nota final: ao longo do ano lectivo, o Boletim PÚBLICO na Escola prestará todas as informações relevantes sobre o concurso, pelo que a sua assinatura é obrigatória. Para o fazer, basta enviar um cheque ao PÚBLICO Comunicação Social, SA, no valor de 12,50 euros, para o endereço PÚBLICO na Escola, Remessa Livre n.º 11153 – EC Picoas, 1059-960 Lisboa. Qualquer esclarecimento suplementar sobre o concurso pode ser obtido através do e-mail: Eduardo.Jorge.Madureira@publico.pt e sobre a assinatura do boletim, através do telefone 808 200 095 (linha azul).

O pagamento da assinatura do Boletim PÚBLICO na Escola pode ser feito:
 enviando de um cheque endossado a PÚBLICO Comunicação Social, SA, no valor de 12,50 euros. Deve ser remetido para o endereço PÚBLICO na Escola, Remessa Livre n.º 11153 – EC Picoas, 1059-960 Lisboa;
 procedendo a transferência bancária a favor do PÚBLICO para o NIB 0010 0000 5607 9880 0016 9. Deve ser enviado o comprovativo da transferência ou uma informação da data da sua realização);
 através de cartão de crédito Visa ou Mastercard. Deve ser cedido o n.º do cartão, a sua validade e o CVV código de segurança.

domingo, 21 de novembro de 2010

LEITURAS: A televisão e a escola

Neste domingo em que, por decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, se assinala o Dia Mundial da Televisão, vale a pena ler um extracto de Televisão, família e escola (Lisboa: Editorial Presença, 2002), um livro da autoria de Manuel Pinto. A obra conjuga uma inteligente reflexão sobre a televisão com úteis propostas de trabalho educativo, razão por que se recomenda a sua leitura integral.

Uma das ideias fortes que acompanha a televisão desde os seus começos é a de que ela existe para realizar uma tríplice missão: “informar, divertir e educar”. A experiência das últimas décadas tem levado muitos a concluir que a TV rapidamente abdicou de educar, que cada vez informa menos e que o que faz de facto é divertir, se não alienar, as pessoas. Já lhe chamaram o novo “ópio do povo”.
Todavia, quando se lamenta que a televisão abdica de educar, pretende-se sobretudo dizer que o que ela faz é deseducar. Porque, como disse um dia um membro da Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos, “toda a programação televisiva é educativa; o problema é aquilo que nela se ensina” (Hodge e Tripp). Em certo sentido, todos os ambientes, sejam eles físicos ou simbólicos, contribuem para a formação das pessoas, em especial dos mais pequenos. As preocupações em torno da TV (como já antes em torno do cinema e da rádio) explicitam o receio de que uma instituição com o peso que a TV possui possa remar contra a maré, difundindo valores, mundividências e comportamentos que violentam o sentir geral.
O problema, contudo, não é nada simples, como vamos procurar mostrar.
Há dois pontos prévios que inquinam, por assim dizer, toda a reflexão que se possa fazer sobre a relação entre os meios de comunicação, particularmente a TV, e a escola.
O primeiro refere-se a um projecto educativo-cultural que algumas elites político-educacionais quiseram confiar à TV. Perante a necessidade de difundir e massificar o acesso à escolaridade e de modernizar a aprendizagem, a televisão seria (ou deveria ser) “a grande educadora” da população. Através de programas didácticos, de documentários, de cursos de formação e através da telescola, o novo meio de comunicação converter-se-ia num excelente e inultrapassável meio de instrução. [...]
O segundo ponto surge aparentemente como contraditório ou conflituante com o anterior e diz respeito à dificuldade dos meios educativos em lidar com o mundo da imagem. O que fez (e continua, de algum modo, a fazer) com que as atitudes predominantes entre os professores e pedagogos relativamente à TV tenham sido de incomodidade, de desconfiança e até de resistência.
Sabemos, dos estudos históricos, como o mundo da imaginação e da representação através da imagem sempre suscitou problemas, na cultura ocidental. Se isso se verificou com a imagem fixa, como não haveria de se verificar, por maioria de razão, com as imagens animadas? A magia da imagem; a ideia de transparência; a emoção e o interesse que suscita; os caminhos incontroláveis que abre – eis aspectos com que a lógica escolar lida mal.
Os docentes tendem a ver a televisão – esse poderoso e incansável “moinho de imagens” – como uma ameaça para a aprendizagem escolar. Ameaça, desde logo, pelo tempo que ocupa no dia a dia dos alunos e que os impediria de dedicar-se o necessário aos deveres escolares, à leitura, ao sono, a outras actividades. Ameaça, também, à capacidade de concentração e de atenção. Ameaça, enfim, à disponibilidade para os requisitos que são considerados necessários à aprendizagem: o esforço, a repetição, a progressão, a avaliação. Na televisão, tudo é fácil e atraente, tudo gratifica, tudo sugere que se pode aprender sem custo: basta estar lá e consumir ainda mais. (Deve assinalar-se, porém, que os tópicos destas preocupações se referem mais ao uso que é feito da televisão do que ao meio televisivo propriamente dito.)
Nos anos mais recentes, à suspeita e até o anátema lançado por muitos professores contra a televisão e os malefícios que lhe são atribuídos tem correspondido a própria TV que, através de alguns programas, não perde oportunidade de ridicularizar a instituição escolar e, nomeadamente certos modos de exercício do papel de professor. De modo que o desejo manifestado por alguns autores nos anos 60 a 80 do séc. XX, no sentido de romper com o fosso que separa a educação da televisão, em lugar de se ter esvaziado, tem vindo a adquirir uma relevância e pertinência ainda maiores. Com a crescente comercialização da programação televisiva e a subalternização ou extermínio dos programas que não captam audiência (e dinheiro), as preocupações educativas e culturais pura e simplesmente desaparecem das agendas dos programadores ou são recambiadas para horários impraticáveis para a esmagadora maioria dos cidadãos.
E pur se muove!”. E no entanto a terra continua a girar. Isto é: a televisão assume cada vez mais pujança (mais em número de portas de acesso do que em diversidade de programas) e a escola continua com o insubstituível e cada vez mais premente desafio de acolher a vida das gerações mais novas e de lhes abrir um horizonte de sentido individual e colectivo para o futuro. Mais ainda: bem ou mal, certo é que as crianças nascem e crescem hoje num “ecossistema” do qual a televisão e outros media fazem parte integrante e do qual são referência central, que não pode, sob graves riscos, ser iludida.
Numerosos estudos comprovam que só excepcional ou pontualmente a televisão transpõe as portas da sala de aula. Aquilo que se vê no pequeno ecrã é entendido pelos alunos como algo que não tem cabimento na escola, que não é pertinente nem relevante para os fins da escola. E no entanto esses conteúdos constituem uma experiência que, do ponto de vista do todo que é a vida de uma criança (ou de um adulto), é tão relevante como a da escola, pelo que é no mínimo insensato não a assumir e a tomar como assunto a trabalhar.
De modo que, em lugar de ter decrescido, se tornou ainda mais necessário e urgente equacionar os modos de articular os mundos da educação e os mundos da televisão.
São três as frentes que há que considerar e em que é possível intervir:
- a dimensão educativa da televisão;
- o tratamento da educação na televisão;
- a educação para um uso crítico e inteligente da televisão.
Todas e cada uma destas frentes pressupõem a participação activa e esclarecida dos cidadãos e uma sociedade civil interveniente e a assunção pelos órgãos de decisão política das respectivas responsabilidades. No entanto, as duas primeiras dependem em grande medida das opções e iniciativa dos próprios operadores televisivos, ao passo que a terceira depende das instâncias com responsabilidades e intervenção no campo educacional. (...)

A dimensão educativa da televisão

Ainda que muitos adultos considerem que com a televisão não se aprende nada e, o que é pior, ainda se desaprende, tal não pode passar sem ser submetido a uma análise crítica.
Bastará interrogar uma criança para perceber como, ao contrário de tais adultos, ela considera que aprende enormemente com o que vê na televisão.
Muito daquilo que a escola considera ser um currículo informal (não expressamente programado) provém da experiência televisiva que os alunos trazem de casa e que compreende noções sobre mundos e realidades diferentes daqueles com que elas directamente contactam: outros povos e costumes, modos de vestir e de comunicar, tecnologias e modas. Num estudo que eu próprio realizei com algumas centenas de crianças portuguesas, pude verificar que três em cada quatro consideravam aprender com a TV, colocando nos primeiros lugares matérias apresentadas no programa Rua Sésamo, línguas estrangeiras, conhecimentos úteis para o dia a dia e informações sobre o que se passa no mundo (Pinto). (...)
Como se viu já, há programas que se assumem expressamente como educativos e que, em alguns casos, pelo menos, não abdicam de ser interessantes. Rua Sésamo foi um deles e seguiu-se-lhe o Jardim da Celeste. Toda uma geração de crianças foi marcada pelas várias séries destes dois programas, cuidadosamente planeados e produzidos pela RTP, através de uma equipa cuja orientadora pedagógica foi uma conhecida especialista da matéria, a Dr.ª Maria Emília Brederode Santos (cf. o seu trabalho de 1991 e ainda o de Cristina Ponte). Mas há mais programas, e não só na RTP, incluídos ou não na programação para a infância, que foram elaborados com claras preocupações pedagógicas e culturais.

Educação para um uso crítico e inteligente da TV

Cientes de que muito do que é a relação entre as crianças (e os adultos) e a televisão também depende da acção dos telespectadores, numerosas instituições, alguns governos e várias organizações internacionais têm vindo a apostar na vertente da formação para um uso crítico e inteligente da TV.
Duas ideias básicas estão subjacentes a tais iniciativas: nenhuma dimensão relevante da vida dos aprendizes deve ser deixada de lado no processo de aprendizagem; e há aspectos do universo mediático e televisivo cujo domínio é de grande alcance potencial para a compreensão do mundo e para o exercício da cidadania.
Nas décadas que este tipo de acção leva de existência, têm sido vários e nem sempre convergentes ou complementares os objectivos perseguidos:
Há quem pretenda realizar este tipo de projectos, em especial no campo da educação escolar, para proteger os mais novos dos potenciais malefícios da televisão ou de certo tipo de conteúdos em particular.
Há quem o faça para ajudar os alunos a distinguir o que é bom do que é mau, na base de padrões de gosto ou de normas morais previamente estabelecidos.
Há quem procure colocar os alunos diante dos problemas suscitados pela televisão e ajudá-los a encontrar para eles soluções ou respostas que pareçam satisfatórias e fundamentadas.
Há quem vise, com projectos de abordagem da televisão na escola, desocultar os interesses e estratégias que a indústria televisiva movimenta e as ideologias, os estereótipos e os valores que informam determinado tipo de programas.
Há quem foque a televisão e, em especial alguns dos seus géneros mais salientes, para contrapor o vazio estético ou o mau gosto à estética cinematográfica, tomada como realidade universal e como referência artística no campo audiovisual.
Há, enfim, quem valorize, na abordagem do universo televisivo, as dimensões expressivas e comunicativas, procurando suscitar entre os alunos actividades que os levem a viver experiencialmente desafios do campo estudado.
A variedade de orientações possíveis é, pois significativa. Quanto às modalidades de abordagem, elas são igualmente variadas. Em todo o caso, a experiência própria e de outros estudiosos e docentes, levam-me a sugerir três dimensões: a) a televisão como recurso pedagógico-didáctico; b) a televisão como tema de estudo; c) a televisão como campo e pretexto de expressão e comunicação.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

LEITURAS: Os cínicos não servem para este ofício

Os cínicos não servem para este ofício. Conversas sobre o bom jornalismo (Lisboa: Relógio d’Água, 2008) reúne diálogos do repórter polaco Ryszard Kapuscinski com vários interlocutores. A finalidade do jornalismo e as traições de que é objecto ou o estado do mundo são temas que suscitam uma atenta reflexão

Ryszard Kapuscinski


Há centenas de formas de manipular notícias na imprensa. E outras centenas na rádio e na televisão. E sem dizer mentiras. O problema da rádio e da televisão é que não é necessário mentir: podem limitar-se a não reflectir a verdade. O sistema é muito simples: omitir o assunto. A maior parte dos espectadores da televisão recebem de modo muito passivo o que lhes é dado. Os patrões das cadeias televisivas decidem por eles o que devem pensar. Determinam a lista de coisas em que se deve pensar e o que se deve pensar sobre elas. Não podemos estar à espera de que o telespectador médio realize estudos independentes sobre a situação do mundo, seria impossível, inclusive para os especialistas. O homem médio, que trabalha, regressa a casa cansado e quer simplesmente estar um pouco com a família, só recebe o que chega até ele naqueles cinco minutos de telejornal. Os assuntos principais que dão vida às “notícias do dia” decidem o que pensamos e o modo como o pensamos.
Trata-se de uma arma fundamental na construção da opinião pública. Se não falarmos de um acontecimento, este simplesmente não existe. Com efeito, para a maior parte das pessoas, “as notícias do dia” são a única forma de conhecer alguma coisa do mundo. Testemunhei pessoalmente essa situação em Moscovo, em 1991, aquando da tentativa de derrubar o primeiro governo de Boris Ieltsin e de restaurar o comunismo. O acontecimento principal, que determinou tudo, ocorreu em Leninegrado, actual São Petersburgo. No entanto, as equipas televisivas estavam todas em Moscovo.
O problema das televisões e dos meios de comunicação em geral é que são tão grandes, influentes e importantes que começaram a criar um mundo só deles. Um mundo que tem muito pouco a ver com a realidade. De resto, esses meios de comunicação não estão interessados em reflectir a realidade do mundo, mas em competir entre si. Uma estação televisiva, ou um jornal, não pode permitir-se não ter a notícia que o seu concorrente directo tem. De modo que acabam por observar os seus concorrentes em vez de observar a vida real.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

LEITURAS: Educação para os media. As controvérsias fecundas

O tema e o autor tornam indispensável a leitura deste livro. Jacques Gonnet, que dirige, em França, o Centre de Liaison de l’Enseignement et des Moyens de l’Information (CLEMI), apresenta, em Educação para os media. As controvérsias fecundas (Porto: Porto Editora, 2007), os principais debates, de natureza filosófica, pedagógica e política, em torno da “educação para os media”, expressão que, aliás o autor não aprecia, e explica por que é que esta se pode assumir como uma extraordinária forma de iniciação às práticas democráticas

Jacques Gonnet


O nosso ponto de partida consistiu em discernir a ambiguidade do conceito de “educação para os media”. Verificámos as interpretações opostas. Salientámos, assim, que, sem a explicação dos objectivos, a troca de pontos de vista assentava sobretudo em mal-entendidos...
De facto, desde há algumas décadas, os sistemas educativos são agitados por esta temática. Em Inglaterra como na Rússia, na Argentina como no Quebeque ou em França, subsiste uma forte vontade de propor a introdução no quotidiano da turma de uma “educação para os media”. Mas, em concordância, seria preciso chegar a acordo sobre uma definição internacional, e pudemos aperceber-nos de que as palavras remetiam para imaginários por vezes incompatíveis. Desde logo, tomar um outro caminho tornava-se legítimo: procurámos saber em que consistia o conceito de educação para os media, os fundamentos destas actividades, os valores partilhados, as oposições declaradas.
Este ângulo de abordagem teórica tinha uma vantagem: permitia discernir as controvérsias, apreciar os argumentos. Ao fim e ao cabo, permite decidir com conhecimento de causa. A palavra teoria, empregue aqui no sentido de conhecimento, apoia-se em verificações que dão conta da realidade. Claude Bernard considerava que as teorias não passavam de hipóteses verificadas por um número mais ou menos considerável de factos, sendo “as melhores aquelas que são verificadas por um maior número; mas, mesmo assim, não são definitivas e não se deve crer nelas de modo absoluto”. Esta imagem foi o nosso fio condutor. Esta subtileza levou-nos a avaliar tudo o que está em jogo na educação para os media: a nossa relação com o saber, os valores, a democracia. Na falta de uma definição satisfatória, concluímos, a propósito deste ponto, que a educação para os media consiste, em primeiro lugar, na tomada de consciência deste mundo mediático, da obrigação vital, individual e colectiva, de aprender os seus pressupostos, como se aprende a ler e a escrever, para não se ser analfabeto.

O que conseguimos evidenciar?

Se deixarmos de lado a atitude extrema própria de alguns que rejeitam em bloco os media, rejeição que se exprime, por vezes, em termos bem explícitos, mas que não nos parece nada pertinente, porque inadaptada ao nosso mundo, duas concepções atravessam os diferentes discursos:
 uma considera que é preciso ter cuidado para não pedir demasiado à educação para os media. Preocupada com os exercícios básicos necessários para aprender a decifrar as mensagens dos media, ela reivindicaria de boa vontade um lugar de disciplina escolar no sentido clássico, porque parece evidente que um trabalho sobre os media torna-se uma necessidade na escola actual, tal como aprender a ler e a escrever. Os media são, por vezes, entendidos aqui no seu sentido mais amplo: tanto se fala do cinema como da televisão, da imagem como do multi-média. Seguindo objectivos claros, com avaliações contínuas, esta educação assenta em programas que definem aquilo que um aluno deve saber sobre o mundo mediático para o decifrar, nomeadamente com a ajuda de instrumentos inspirados na semiologia;
 a outra parte de uma análise política: a educação para os media é uma educação para a democracia. Não se faz um jornal numa escola em regime ditatorial. Esta educação constitui, assim, fonte fundamental de regeneração das práticas democráticas. Ela coloca o acento na participação activa do aluno, na sua capacidade para analisar as mensagens dos media, mas também para criar os seus próprios media. Os defensores desta abordagem temem, efectivamente, uma certa falta de ambição que banalizaria a educação para os media, que a escolarizaria, tornando-a uma disciplina. E consideram ainda que a escola dispõe de uma oportunidade excepcional para se transformar em profundidade: por um lado, promover a tolerância, a capacidade de escutar o outro a partir dos media, mas também, por outro lado, repensar a relação com o saber, a relação com a autoridade. Saliente-se, finalmente, que esta versão privilegia muito mais um trabalho sobre os meios de informação do que sobre os media na sua globalidade.
Seria uma falta de visão não perceber que estas duas concepções podem conjugar-se, mas, não as distinguindo, pode-se esquecer que elas induzem comportamentos e estratégias diferentes.
O que têm elas de comum? Antes de mais, partilham uma certa abordagem do saber: a preocupação de partir do assombro perante o mundo, de reconhecer o desejo humano de o decifrar, de construir uma sociedade que se interrogue sobre si própria. Espanto que, por hábito, mais que por definição, não tem direito de cidadania na escola. Se é normal aprender Inglês ou Matemática (não se questiona, é “natural”), não se imagina partir deste espanto (ainda que seja a fonte que estabelece a relação com o mundo...). Desde logo, as questões da criança e do adolescente tornam-se interiores, e, insensivelmente, afastam-se do desejo de participar, da felicidade de estruturar o seu pensamento através do diálogo.
O espanto pode ser doloroso ou cheio de felicidade. Deve haver um estatuto na escola, porque ele é o alicerce da nossa percepção. Aluno ou professor, só tenho de corar com o desespero que me constrange ao pensar nas crianças, mulheres e homens que acabaram de ser degolados na Argélia, ou com a esperança que me invade perante o anúncio de uma experiência científica que salva uma vida humana. Mas esta actualidade, estes media que me falam do mundo, mostram-no no seu imediatismo; a escola tem o poder de o reduzir de outro modo. Passo então do estado de assombro para o de perspectiva. Se conservo no fundo de mim mesmo a experiência que faz da minha vida algo único, com as suas alegrias e feridas, a escola permite-me compreender, em parte, como a decifrar, como participar na sociedade, assim como propõe resumos para vivê-la mais plenamente.
Conclui-se, assim, que a segunda concepção, sem dúvida mais ambiciosa – mais arriscada, dirão os seus detractores –, leve até aos seus limites a reflexão sobre a motivação. Com efeito, os fios interligam-se: um jornal escolar, uma emissão de rádio, uma produção feita por alunos é, certamente, uma aventura para aqueles que a realizam, mas é, antes de mais, um trabalho de coerência em que a escola se torna discreta e magnífica. Alegria de se construir, de crescer, descoberta da complexidade, do insuportável também, mas sempre, latente, ao alcance da mão, a certeza de que o mundo não é uma fatalidade. Seremos, então, capazes de falar de “educação política”?
No meio educativo, meio complexo, instável, a força explosiva das palavras implica estratégias insólitas para apresentação das ideias. Se é de bom tom, como estudante, inscrever-se em “ciências políticas”, é porque se trata de “ciências”, mas a ideia de uma “educação política” na escola quase sempre induz em erro. Portanto, uma vez mais, sublinhemos até que ponto constitui uma irresponsabilidade não dar aos jovens o gosto da política, não lhes fazer sentir que a democracia é um bem inestimável, invejado por aqueles que dele estão privados e que se batem por que se possa afirmar uma certa ideia do homem, do respeito pelo outro. Para não magoar ninguém, esta “educação política” pratica-se em segredo, sob o disfarce de “educação cívica”, de ECJS, que mais não são do que traduções marginais.
Elas revestem, assim, de maneira apresentável, esta problemática, mas com grande perda de legibilidade. Claro, esta timidez advém de um temor compreensível que leva a evitar tudo o que possa ser entendido como uma provocação. A política só anda nas boas graças da imprensa aquando dos actos eleitorais. Depois, torna-se tabu. Ora, sobre este ponto, é indispensável tocar a sineta de alarme. Com efeito, as práticas democráticas nunca são vistas como uma educação fundamental, como uma partilha de valores das nossas sociedades, antes são vistas, nos nossos sistemas, como uma cultura secundária. Portanto, não causa espanto que nos debates políticos abundem os comentários desportivos, a terminologia dos desportos de combate, e não a argumentação, o confronto de projectos. A promoção (ou, se se preferir, a defesa) da democracia assenta, em grande parte, nesta relação de implicação a inventar no quotidiano, numa descoberta e apropriação pelos jovens das regras do jogo a respeitar, a fazer evoluir. Seria injusto não salientar o trabalho já realizado neste sentido em várias disciplinas escolares, pela vontade dos professores. Mas porque não afirmar o seu carácter essencial?
Conceber a educação para os media como esta tradução da indispensável iniciação à política, com referência aos nossos valores humanistas, não seria algo demasiado ambicioso, mas apenas sinal de responsabilidade. Tal constituir-se-ia como um elemento regenerador das práticas democráticas, contra as ditaduras, sempre prontas a achincalhar o respeito pelo pensamento do outro.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

LEITURAS: A educação para a comunicação

Comunicação e Educação na Sociedade da Informação. Novas linguagens e consciência crítica (Porto: Porto Editora, 2007), com coordenação de José Manuel Pérez Tornero, doutorado em Comunicação, inclui textos de diversos autores. Quem quiser compreender como se deve educar para os media – e que renovadas razões há para o fazer – tem aqui uma obra de leitura incontornável

José Luis González Yuste


Os media, contrariamente àquilo que se afirma, por vezes, não têm por objectivo fornecer conhecimento, do mesmo modo que não têm por fim formar ou informar. O seu objectivo é conquistar audiências que gerem lucros económicos. Precisamente por isto, a trivialidade, a estereotipação, a falta de argumentação e de estruturação características dos media – e igualmente das novas tecnologias – afastam-nos bastante da ideia de conhecimento com a qual, por vezes – por motivos de interesse –, se confunde a simples informação. Partindo desta perspectiva, conferindo significação à informação, a escola pode encontrar o seu espaço na sociedade dos media e jogar a sua cartada de aproximação à realidade, para educar sobre e a partir dela. Este desafio e esta responsabilidade representam uma disciplina na qual a educação deve e pode obter sucesso. Para isso, terá de transformar os seus princípios e finalidades e integrar no seu mundo novas tácticas, convertendo-se num instrumento de intervenção da sociedade no real. A instituição escolar deve surgir como uma alternativa necessária – não única, nem exclusiva –, com capacidade para dar resposta aos media – aos velhos e aos novos, aos do presente e aos de sempre.

Desafios e responsabilidades da escola face à nova comunicação

As razões para empreender uma renovação da instituição educativa em face da nova era da comunicação são múltiplas. Para começar, é conveniente assinalar uma circunstância que, por demasiado evidente, não se encontra suficientemente realçada e explicada: a realidade, manifesta e contundente, da profunda transformação cultural existente. Com efeito, está a ter lugar uma transformação de uma envergadura tal que, de acordo com Martin Barbero (“La educación en el ecosistema comunicativo”. Comunicar, n.º 4, 1994), “não constitui uma mutação de velhos conteúdos em novas formas, ou vice-versa, mas uma mudança ao nível da natureza do processo: o aparecimento de uma “comunidade mundial”, na qual homens de tradições culturais muito diferentes emigram no tempo, convertendo-se em emigrantes que chegam a uma nova era: alguns como refugiados, outros como proscritos, mas todos partilhando as ‘mesmas lendas’”. Esta “desordem cultural” coloca à sociedade e à escola desafios de fundo, que não podem ser reduzidos a uma mera questão tecnológica, pois todas “as práticas culturais de memória, de saber, de imaginário e de criação conhecem hoje uma séria reestruturação” (A. Renaud – Videoculturas de fin de siglo. Madrid: Cátedra, 1990). Nesta cultura do caos – que não significa caos da cultura –, onde todos os sistemas de ideias tradicionais são questionados, aparecem razões objectivas/subjectivas que exigem que a escola eduque para os media e partindo das novas tecnologias.

Primeiro que tudo, é um desafio cultural

A distância que separa os professores e, por extensão, a instituição educativa dos alunos é cada vez maior. Os media alteraram as formas de circulação da informação e do saber, mas representam também um indesmentível espaço de identidade e socialização, recolhendo normas e modelos de conduta, estabelecendo práticas e costumes. Ao estigmatizar os media – a partir de um discurso superficial e reducionista –, definindo-os como os piores inimigos da escola e excluindo-os da aula e de qualquer estratégia pedagógica, alargam-se as barreiras que separam a escola da realidade social. Perante a impossibilidade de encontrar na escola uma resposta crítica, lúdica e criativa a uns media que promovem a massificação, o conformismo e o consumismo, a tendência dos jovens pode ser a de “se deixarem absorver pelos media”. A razão, ainda segundo Martin Barbero (“Heredando el futuro. Pensar la educación desde la comunicación”. Nómadas, n.º 5, 1996), residiria na “abismal distância entre a actividade, a curiosidade, a actualidade e a abertura de fronteiras que dinamizam o mundo da comunicação actual, e a passividade, a uniformidade, a redundância, o anacronismo e o provincianismo que minam por dentro o modelo e o processo escolares”.

Além disso, é um desafio educativo

Enquanto se atiram pedras à televisão por embrutecer a inteligência, sequestrar a iniciativa e colocar no trono a superficialidade, não deveria a escola começar a olhar para o seu próprio telhado? Será realmente a instituição educativa, à imagem do que sempre se alega, a entidade que dinamiza a reflexão, estimula a criatividade e traz profundidade ao conhecimento? A resposta, como dizia uma velha canção, “is blowing in the wind”. O certo é que o seu afastamento da realidade social e cultural já relegou a escola para o papel marginal de depósito institucional, onde a população juvenil passa umas quantas horas diárias em reclusão – lectiva, é evidente –. Uma utilização pedagógica criativa e crítica dos media e das novas tecnologias pode fornecer – sem se tratar de uma receita mágica – a possibilidade de “aprender os media”, em vez de “aprender através dos media”. Esta transformação permitiria apropriar-se criticamente dos conteúdos dos media e decifrar as mudanças que operam. Desta forma, a escola terá uma via aberta para – explorando novas temáticas, abrindo-se a outras formas de conhecimento e adquirindo novas dinâmicas de estimulação – “se encontrar” com a sua sociedade.

[…]

É igualmente uma responsabilidade social

Tanto as crianças e os jovens, como os adultos, passam muitas horas diárias em contacto com os media de massas. Em termos mais concretos, a camada da população em idade escolar passa mais tempo com os media do que na instituição educativa. Aparici (“Educación para los medios”. Voces y Culturas, n.º 11/12, 1997) refere um relatório da Association for Media Literacy (AML) de Toronto, onde “se assinala que, pouco antes de terminar o ensino secundário, um estudante terá passado aproximadamente 11 000 horas na escola, face a umas 15 000 frente ao televisor e outras 10 500 a ouvir música pop. Para além de alguns outros milhares dedicadas a outros meios de comunicação, como a banda desenhada, o cinema ou os jogos de vídeo”. É, portanto, uma verdade inquestionável que os media exercem uma grande influência sobre o sistema de percepção de valores e atitudes. Inegável, também, é o facto de a escola ser
co-responsável pela consciencialização dos adolescentes em relação ao significado de viver num mundo audiovisual. A instituição de ensino – no âmbito de uma educação cívica – deve conseguir que os jovens adquiram um mínimo de domínio sobre a sua utilização dos media, ou seja, que, através de critérios de análise e de reflexão crítica, desenvolvam autonomia suficiente para interpretar e seleccionar as mensagens propostas pelos media.
Broncano (“Información, comunicación y sistemas educativos”. In Tejedor e García Varcarcel [org.] – Perspectivas de las nuevas tecnologias en educación. Madrid: Narcea, 1996) diz que “se a informação crescesse nas árvores e vivêssemos no paraíso terrestre, não precisaríamos de comunicadores e educadores, mas a informação é um produto custoso e difícil de obter”, pelo que se torna imprescindível encontrar um espaço de convergência entre a educação e a comunicação.

A área de educação para os media na escola

A introdução e estabelecimento definitivo da área de educação para a comunicação e os media nas aulas significa abrir a escola ao meio que a rodeia. Supõe iniciar um caminho na direcção da “sala de aula sem muros”, oferecendo aos alunos uma perspectiva a partir da qual se podem situar no seu contexto e na sua realidade. Assim, a integração desta matéria na escola não só é conveniente, como se virá a revelar muito fértil, pois o meio que rodeia a escola é o mais adequado para estimular, em termos de grupo, a atenção e a prática no que se refere aos novos media e às tecnologias da comunicação. A sua incorporação nos curricula pode desenvolver-se segundo dois modelos: como matéria transversal, integrando todas as áreas, e como área de estudos específica.

Na sua faceta de área de estudos concreta – opcional, na maioria das vezes –, assegurar-se-ia o tratamento da matéria sobretudo numa vertente criativa. No entanto, como aponta Masterman (La enseñanza de los medios de comunicación. Madrid: La Torre, 1993), a educação audiovisual é demasiado importante para ficar fechada num compartimento separado dos programas escolares, se bem que, evidentemente, seja crucial estabelecer esse espaço e defendê-lo. É certo que é preciso considerar a educação para os media como uma matéria especializada por direito próprio, mas também como um elemento que deverá moldar o ensino de todas as disciplinas. Aquilo que em realidade está sobre a mesa é a necessidade de a educação para os media não ficar circunscrita – e, portanto, limitada e “estancada”, mais a mais por se encontrar num “território estanque” – à esfera dos professores de comunicação. A questão é tanto mais relevante, quanto (J. I. Aguaded [org.] – La otra mirada a la tele. Propuestas para un consumo inteligente de la televisión. Sevilha: Consejería de Trabajo e Industria, 1997) esta matéria contém em si todas as características definidoras dos temas transversais, permitindo aproximar a escola de realidades sociais altamente significativas e favorecendo o desenvolvimento de valores, normas e estratégias de acção pessoal e social, de uma forma que transcende as disciplinas clássicas, simultaneamente englobando-as e sobrepondo-se a elas, e abrangendo todos os níveis do sistema escolar.

Como é lógico, porém, a introdução dos media na escola tem de ser planeada ao pormenor. É necessário não cometer o erro de incentivar o desmedido consumo já existente. Para além do mais – de forma a abandonar a superficialidade e o instrumentalismo – é preciso desenvolver o conhecimento das linguagens dos media, trabalhar no desenvolvimento de aptidões para a sua interpretação crítica e promover os recursos para a sua utilização criativa. Por outras palavras, trata-se “não de descobrir as facetas tecnológicas dos media (...), mas mais de revelar os aspectos dos media que se reflectirão numa melhoria das capacidades, na sua dupla dimensão de leitura crítica e escrita criativa”. O objectivo de ambas as estratégias é desmistificar e distanciar os media para, utilizando-os, os compreendermos e, entendendo-os, os utilizarmos.

Leitura crítica

Uma adequada educação para a comunicação, que vise desenvolver a análise dos media e das novas tecnologias da comunicação, deve, contrariamente à concepção de quem os encarou como uma solução – didáctica nas escolas e de entretenimento nos lares –, apresentar os seguintes traços:
- problematizar o conteúdo dos media, de forma a afastar a concepção “naturalizada” que estes apresentam de si mesmos;
- assinalar o conteúdo ideológico das suas mensagens, que tendem a legitimar e a reforçar “certas” atitudes como comportamentos e visões do mundo;
- realçar a articulação dos media com o edifício comercial, empresarial, financeiro e político, para fazer luz sobre a sua pretensa “independência e neutralidade”.
O objectivo é ensinar a pensar a cultura mediática e a reflectir sobre a realidade. De novo citando Masterman: “E importante que este material [o audiovisual produzido pelas multinacionais] não seja consumido inocentemente, mas lido de maneira crítica. Parece-me evidente que os professores de todas as disciplinas devem favorecer a técnica básica da alfabetização audiovisual, que consiste em relacionar as mensagens dos media com os interesses políticos, sociais e económicos de quem os produz”.

Instrumento criativo

A educação para os media e para as novas tecnologias da comunicação alcança o seu grau máximo de realização quando o estudante tem a oportunidade de “criar e desenvolver” – através dos media – as suas próprias mensagens. Schaeffer (“Incidencia de los medios sobre la educación general”. In UNESCO – Sobre el futuro de la educación hasta el año 2000. Madrid: Narcea, 1990) afirma que “para ‘ler’ as imagens, e à imagem do que se passa com os textos escritos, não se deve esquecer que também é necessário aprender a ‘escrever’ este código. A expressão através dos media, como estratégia dupla, motivadora e desmistificadora, requer não só que se seja capaz de decifrar a linguagem da comunicação, mas também que saibamos
servir-nos dela”. Esta experiência permite ao aluno compreender de maneira significativa a construção da realidade que qualquer conteúdo mediático comporta. Tornando os media mais próximos através do distanciamento que opera, esta vertente expressiva revela-se fundamental para cumprir a meta de uma educação para a comunicação.

Pérez Tornero (El desafio educativo de la televisión. Para comprender y usar el medio. Barcelona; Paidós, 1994) afirma que “todos estes princípios de acção – no sentido chomskiano e habermasiano – se resumem a um só: promover uma nova competência comunicativa”. Nos anos 20, Freinet, ao procurar introduzir estes conceitos na sua escola, achou já que estávamos atrasados um século. Afirmava que, educando para a comunicação e os media, a instituição escolar integraria uma vida nova, à imagem do media, e, consequentemente, teria de adaptar às conquistas essenciais do progresso da época não só os seus espaços, programas e horários, mas também as suas técnicas e ferramentas de trabalho. Não devemos continuar adaptados por mais tempo a uma escola que demonstra estar atrasada cem anos no seu verbalismo, nos seus manuais, nos seus manuscritos, no balbuciar das suas aulas, na recitação memorizada, nos modelos de caligrafia... Agora que encaramos o desafio de educar para os media, levantam-se algumas questões importantes: a escola vai adaptar as suas estratégias aos novos media e tecnologias da comunicação? Estarão a escola e o sistema educativo preparados para enfrentar estas mudanças? Em que sentido deve a renovação da instituição educativa ser encarada, face à realidade da sociedade de informação e da comunicação? É essencial que estas interrogações — e muitas outras — encontrem resposta; não podemos esquecer que o objectivo não é educar apenas para a convivência com os media do presente, mas preparar os estudantes para os media do futuro.

[…]

Escola: novas orientações e diferentes papéis

Há opiniões de todos os géneros em relação às consequências que as novas tecnologias terão para a educação. Alguns grupos pensam que a escola continuará igual – sem transformações essenciais –, pois, muito simplesmente, cumpre bem o seu papel de socialização, que representa a função principal que lhe foi cometida. Este é um discurso que põe em relevo a escassa ou inexistente preocupação das instituições educativas com o ensino; estas estariam mais centradas em consolidar uma escola de contenção social do que uma escola que “eduque”. Outros sectores falam do “fim da sala de aula”, afirmando que “investir no sistema educativo actual equivaleria a, no início do século XX, termos tentado melhorar as raças de cavalos para competir com os veículos a motor” (Perelman, 1992). Trata-se de um discurso reducionista, que confunde informação e conhecimento e assenta em considerações mais económicas do que educativas, em argumentos ligados mais aos custos do que à qualidade do resultado.

Contudo, de ambas as abordagens emerge uma certeza clara: a necessidade de a escola mudar, se não se quiser ver ultrapassada ou relegada para uma posição menor. A instituição educativa deve adaptar as suas capacidades para encontrar o seu lugar e a sua função. Um dos caminhos para a evolução, formando para e na realidade, é o da criação de um ambiente que promova a utilização das novas tecnologias e de media educativos. A escola deve procurar novas orientações que assegurem o seu papel de desenvolvimento das capacidades e competências necessárias na sociedade da informação. Na verdade, a instituição educativa tem possibilidades maiores e mais profundas do que afirmam algumas visões catastrofistas, cujos defensores vêem, aliás, no fim da escola uma nova possibilidade de negócio.

Orientação no caos informacional

Na nova sociedade dos media, a informação que se recebe é muito mais do que aquela que se consegue processar, e grande parte dela é completamente desprovida de interesse. Campuzano (1992) diz que “dentro de muitos anos compreender-se-á que a compilação maciça de dados e o acesso aos mesmos à velocidade da luz tiveram um grande valor para as grandes organizações, mas solucionaram questões de muito reduzida importância para a maioria das pessoas, criando-lhes, no mínimo, tantos problemas como aqueles que vieram resolver”. O certo é que os velhos mecanismos para “navegar” pela informação deixaram de ser válidos, porque o presente da comunicação requer manejar um grande volume de informação, que é muito variável e circula sem controlo rigoroso, e à qual se acede de forma instantânea. O domínio educativo é o único que pode oferecer as chaves necessárias para a selecção e tratamento adequados desta informação. É no seu papel de guia e formador, que prepara para separar o trigo do joio por entre a abundância da desinformação, que se pode encontrar a sua oportunidade de vencer a prova que lhe colocam as novas formas de acesso à informação.

Formação para a auto-aprendizagem contínua

O ritmo e os tempos de aprendizagem também se alteraram. Em 1531, Vives falava da atitude que o humanista devia assumir depois de ter “terminado o curso e percorrido o vasto estudo das letras humanas”, dizendo que: ... dará grande afã, e jamais passará pelo espírito de alguém, ter atingido o cume e o fim da erudição. Cintila como uma verdade bem aguda aquela frase de Séneca: que muitos poderiam muito bem ter alcançado a sabedoria, não fosse terem-se convencido de que já lá tinham chegado. E é o mesmo Séneca quem nos diz: deves ir aprendendo enquanto durar a tua ignorância: e se acreditarmos no provérbio, enquanto durar a tua vida, durará a tua ignorância. Em boa verdade, não existe na Natureza conhecimento que, por demasiado acessível ou fácil, não chegue para preencher todo o espaço da vida mortal.
Aquilo que Vives pedia ao humanista pede-se hoje à sociedade inteira, não pelo valor de enriquecimento pessoal próprio do Renascimento, mas devido ao utilitarismo e pragmatismo mais implacáveis: ter a possibilidade de aceder a um posto – ou sucessivos postos – de trabalho. A preparação profissional exigida pelo mundo laboral requer uma abordagem de formação contínua, o que, por sua vez, constitui uma nova perspectiva para o mundo educativo. Alguns sectores da educação – selectivos – já estão a desenvolver, de maneira complementar, sistemas de formação “permanente”. Não obstante, o comboio da mudança tem um ritmo tão acelerado que a escola tradicional – a de todos nós – leva já várias estações de atraso. Deste modo, emerge a possibilidade – cada vez mais uma realidade – de apenas obterem uma preparação adequada aqueles que possam pagar por ela. Estabelecem-se, assim, novas formas de
discriminação-desigualdade-injustiça, as três em simultâneo e não separadamente, com base na divisão entre “inforicos” e “infopobres”. O sistema educativo deve preparar-se para ocupar o espaço que lhe cabe como mecanismo igualitário. Para isso, precisa de dar resposta à necessidade de “educação ao longo da vida”, estimulando – a partir do potencial criado pelas novas tecnologias – fórmulas educativas que capacitem os alunos para uma auto-aprendizagem contínua, imprescindível nos novos tempos da comunicação.

Estratégias de capacitação grupal

Por oposição às teorias do darwinismo social emergentes no século XIX, Kropotkin (1906) defendeu “o apoio mútuo” como o mecanismo real que impulsiona e fortalece o indivíduo e a sociedade. Kropotkin encara-o como alternativa ao modelo de sociedade competitiva e predatória que se estava a desenvolver na altura e se assemelhava mais ao Leviatã de Hobbes (1651), onde o “homem era um lobo para o homem”. Agora, quando a selva de asfalto é, mais do que nunca, “uma guerra de todos contra todos”, são os novos canais de comunicação – e, em particular, as redes telemáticas – que abrem novas possibilidades de cooperação e solidariedade. E neste terreno que a escola tem uma grande oportunidade e um grande desafio. Este é o momento em que deve realmente transformar a sua estratégia no sentido de uma pedagogia comunicacional, onde se promovam grupos de aprendizagem nos quais, como diz Kaplún (“Pedagogía de la comunicación”. Voces y Culturas, n.º 11/12, 1997), “cada grupo participante recebe o alento de uma nova energia, amplia a sua visão, alarga os seus conhecimentos, cresce em capacidade de expressão, quando a esfera dos seus interlocutores aumenta em número e distância”. Desta forma, fornecendo vias para os grupos se comunicarem, não só se promove a intercomunicação, como se gera uma dimensão colectiva potenciadora de uma escola de orientação prática, que dá resposta às necessidades de preparação para as acções colectivas e cooperativas exigidas na era da comunicação.

Estas reorientações, assim como a nova engrenagem de um sistema educativo voltado para a sociedade das novas tecnologias da informação, estão a fazer-nos encarar uma redefinição nos papéis dos principais protagonistas do cenário educativo: o educador e o educado. Num desenvolvimento tradicional, associaríamos o “educador” ao professor e o “educado” ao aluno. Contudo, estes dois pólos do processo de ensino-aprendizagem clássico vêem-se hoje confundidos. Isto sucede não só por os alunos serem mais “competentes” do que os seus professores em algumas áreas, mas porque — em relação aos media e às novas tecnologias — os propósitos pedagógicos e didácticos estão a transformar o papel de cada um e a relação entre ambos.

O educado que se “educa”

Pela presença dos media – tanto na sociedade como na instituição escolar –, o papel do aluno, seja pela sua formação para eles ou por eles, vê-se transformado. Não só se altera a sua relação com o professor ou a escola, como é a relação com o próprio saber que se modifica. Na medida em que surge uma extensa gama de fontes – dos media de massas aos novos canais – e se consegue um fácil acesso à informação, desloca-se (R. Castro – “Nuevas modalidades de transmisión cultural y cambios en la educación”. In A. Aucuña Limón – Nuevos medios, viejos aprendizajes. Las nuevas tecnologias en la educación. México: Universidad Iberoamericana, 1995) “a noção de saber para a de saberes, a noção de verdade para a de verdades”. A transformação implica uma formulação menos linear e mais intuitiva, afastando-se a concepção do “saber monolítico” ou do “saber constituído” e aparecendo uma visão mais próxima do “conhecimento como construção”.

A possibilidade de aprofundar a interactividade, outra das características dos novos media, adquire um sentido pleno no domínio educativo. Permite ao aluno (J. Cabero – Nuevas tecnologias, comunicación y educación. Edutec, n.º 1, 1996) elaborar mensagens,
introduzindo-se nos media e, simultaneamente, alfabetizando-se neles. De igual modo, e é este o aspecto mais importante, permite decidir a sequência de informação a seguir, estabelecer o ritmo, a quantidade e o grau de aprofundamento da informação que se pretende, bem como escolher o tipo de código através do qual se quer estabelecer relações com a informação. Seja por estes factores – distintivos dos media e dos novos canais –, seja por quaisquer outros – incluindo aqueles a que a nova cultura escolar dará origem –, a aproximação do aluno ao processo educativo será manifestamente diferente, em particular no que se refere à sua relação com o responsável tradicional pela docência, o professor.

O educador “educado”

Uma utilização criativamente pedagógica e crítica dos media é unicamente possível numa escola que transforme o seu modelo transmissivo, centrado numa sequência linear e unidireccional – do professor para o aluno –, num outro que abranja a possibilidade de uma multiplicidade de percursos. Este modelo “instrutivo”, que continua a persistir no sistema educativo, é responsável por boa parte da resistência dos professores a novos modelos de ensino-aprendizagem. Há quem queira manter estas práticas por uma necessidade de defender o seu “posto” de exclusivo e preeminente transmissor do saber e do conhecimento, como se, em modelos diferentes, o professor fosse excluído do processo educativo. Este é um debate estéril e sem fundamento. Não existe rivalidade entre media e educadores, como não a há entre linguagem textual e audiovisual ou multimédia. No entanto, é verdade que o professor opera hoje num mundo radicalmente diferente do que existia há uns anos, sendo necessário que compreenda que a sua função como fonte única, directa e primária da informação desapareceu.

A divisa do professor para esta nova era deveria ser “partilhar em vez de competir”. O docente deve desempenhar um papel diferente – longe das perspectivas transmissivas – na nova sociedade dos media, para que a sua figura continue a ocupar um lugar fundamental. E preciso promover a imagem de um educador que, de “mero retransmissor de saberes, se transforme em formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipas de trabalho, sistematizador de experiências, memória viva da instituição que possibilita o diálogo entre gerações e lhe dá relevo” (Martin Barbero, 1996). O novo educador deve, assim, ter um alto grau de envolvimento e um alinhamento, tanto na educação formal como nas actividades de educação extracurriculares, promovendo as interrelações escola-sociedade que conferem sentido a uma educação para a real alteração dos papéis de professor e aluno, educador e educando, docente e discente ou qualquer outro par põe em questão a própria base do sistema educativo. Nas palavras de Kaplún (1997), já não há lugar para “aquele ensino baseado na memória, mecânico, repressivo, divorciado da vida, que coloca os alunos numa atitude passiva e amorfa, que apenas gera insucessos”. A mudança (J. Cabero, 1996) nos papéis tradicionalmente desempenhados pelos sujeitos que intervêm no acto de ensino-aprendizagem conduz, por um lado, a que o professor alcance uma dimensão mais importante como tutor do processo didáctico e formulador de situações educativas para o aluno; e, por outro, a que o aluno possa romper com o modelo tradicional de comunicação e interagir de maneira diferente com professores e colegas, dentro ou fora do enquadramento da sala de aula. Assim, a instituição educativa deve redefinir-se de forma a afastar-se das características de “escola-quartel” ou “escola-guarda” que lhe foram atribuídas – pelos interesses de iniciativas “reformadoras” ou de reformas com iniciativas “interessadas” –, se realmente se pretende um ensino de qualidade para todos. Neste sentido, o sistema educativo deve iniciar novos caminhos, transformando-se, superando as suas limitações, e constituindo-se em factor de igualdade social e desenvolvimento integral do indivíduo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

[O rapaz que, lá em cima, lê enquanto come um gelado foi fotografado por André Kertész]